Por
Tatiana Silva [1]
Recentemente, tenho percebido um crescimento do
interesse das pessoas nas redes sociais em falar sobre o Autismo. Acredito que
tal interesse tem sido motivado pela personagem Linda da novela global (que
embora a atriz faça um excelente trabalho, a personagem não reflete as
características reais do autismo).
Embora o tema pareça aflorar agora, o fato é que o
transtorno é mais comum do que se pensa e é possível que 90% dos casos ainda
não foram devidamente diagnosticados no país, segundo o psiquiatra Estevão Vadasz, coordenador do Programa de Transtornos
do Espectro Autista do Instituto de Psiquiatria do HC de São Paulo. Ainda
assim, a única estatística brasileira de autoria do Psiquiatra Marcos Tomanik
Mercadante realizada em 2010, aponta que o número de autistas no Brasil
aproxima-se de 2 milhões.
Com o quadro descrito acima, me espanta o interesse
tão recente das pessoas pelos autistas e, sobretudo, no que se refere a sexualidade
dessas pessoas, que é o ponto mais polêmico das discussões que tenho visto.
Pois bem vou tentar então explicar de forma simples do que se trata o
Transtorno Global do Desenvolvimento (Autismo) com base na vivência
profissional que desenvolvo no movimento de inclusão de pessoas com
deficiência. Ah! É importante frisar que o autismo se enquadra como um tipo de
deficiência intelectual e que as políticas de inclusão das pessoas com
deficiência se atribuem ao autismo. Pontuar isso se faz necessário, uma vez que
o autismo era percebido, até pouco tempo atrás, como uma forma de esquizofrenia
cujo tratamento é diferenciado do que necessita os Transtornos Globais de
Desenvolvimento.
Esse grupo
de transtornos é caracterizado por severas alterações nas interações sociais
recíprocas, nos padrões de comunicação estereotipados e repetitivos, além de um
estreitamento nos interesses e atividades da criança.
Costumam se manifestar nos primeiros cinco anos de
vida. Existem várias formas de apresentação dos transtornos globais, sendo que
a forma mais conhecida é o Autismo Infantil, definido por um desenvolvimento anormal
que se manifesta antes dos três anos de vida, não havendo em geral um período
prévio de desenvolvimento inequivocamente normal. Quando falamos em desenvolvimento,
referimo-nos a andar na idade certa, ao aparecimento da linguagem (que nem
sempre é verbal) dentre outros fatores que serão dispostos em quadro anexo.
As crianças com transtorno autista podem ter alto
ou baixo nível de funcionamento, o que pode classificar o transtorno em Autismo de baixa funcionalidade e Autismo de
alta funcionalidade. O último grupo
é mais raro e se refere as pessoas que desenvolvem interesses e capacidades
muito específicas, desenvolvendo-se de forma muito deficitária nas demais áreas
e destacando-se muito no interesse específico.
Das características gerais mais comuns do Autismo,
podemos listar:
- Prejuízo acentuado no contato visual direto, na expressão facial, posturas corporais e outros gestos necessários para comunicar-se com outras pessoas.
- Fracasso para desenvolver relacionamentos com outras crianças, ou até mesmo com seus pais.
- Falta de tentativa espontânea de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas (por exemplo: não mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse).
- Atraso ou ausência total da fala (não acompanhado por uma tentativa para compensar através de modos alternativos de comunicação, tais como gestos ou mímicas).
- Em crianças com fala adequada, acentuado prejuízo na capacidade de iniciar ou manter uma conversa.
- Uso repetitivo de mesmas palavras ou sons.
- Ausência de jogos ou brincadeiras variadas de acordo com a idade.
- A criança parece adotar uma rotina ou ritual específico em seu ambiente, com extrema dificuldade e sofrimento quando tem que abrir mão da mesma.
- Movimentos repetitivos ou complexos do corpo.
- Preocupação persistente com partes de objetos.
Vale pontuar que, embora exista uma grande dificuldade na interação do autista com o outro, isso não significa que a interação seja impossível. O que acontece é que a forma como o autista pode desenvolver certa interação é diferente das formas gerais e assim, podem ser mal interpretadas por quem o circunda. E isso não é por que as pessoas são ruins e não observam, mas por que cada sujeito tem suas peculiaridades e, como todo ser humano, suas maneiras de expressão variam. A repetição das palavras, por exemplo, ou o interesse por coisas específicas, expressa um pouco da maneira como a pessoa autista vivencia o mundo.
Alguns tipos de transtornos globais do desenvolvimento são:
- Autismo atípico: Possui
praticamente as mesmas características do Autismo Infantil, porem o
aparecimento das características ocorre em um período mais tardio,
aproximadamente entre os 03 à 12 anos.
- Transtorno desintegrativo
da infância ou Síndrome de Heller: A
característica essencial é
uma regressão pronunciada em múltiplas áreas do funcionamento, após um
período de pelo menos 2 anos de desenvolvimento aparentemente normal. O desenvolvimento aparentemente
normal é refletido por comunicação verbal e não-verbal, relacionamentos
sociais, jogos e comportamento adaptativo apropriados à idade. Após os
primeiros 2 anos de vida (mas antes dos 10 anos), a criança sofre uma
perda clinicamente significativa de habilidades já adquiridas em pelo
menos duas das seguintes áreas: linguagem expressiva ou receptiva,
habilidades sociais ou comportamento adaptativo, controle intestinal ou
vesical, jogos ou habilidades motoras.
- Síndrome de Asperger: Trata-se de uma Síndrome de alta funcionalidade
em alguns aspectos. As pessoas com Síndrome de Asperger acabam por se
isolar e limitar os seus interesses a determinados temas assuntos, atitude
que prejudica ainda mais a sua relação com o outro. O Diagnóstico precoce
é essencial para proporcionar aos portadores, os recursos necessários e a
que têm direito que lhes permitam atingir o seu potencial, o qual muitas
vezes é extraordinário, como pessoas verdadeiramente integradas na
sociedade.
O tratamento do transtorno autista visa
principalmente uma educação especial com estimulação precoce da criança. A
terapia de apoio familiar é muito importante: os pais devem saber que a doença
não resulta de uma criação incorreta e necessitam de orientações para
aprenderem a lidar com a criança e seus irmãos.
Muitas vezes se faz necessário o uso de medicações
para controlar comportamentos não apropriados e agressivos. O prognóstico
destes transtornos é muito reservado e costumam deixar importantes sequelas ou
falhas no desenvolvimento dessas pessoas na idade adulta.
Agora, voltando a falar da questão da sexualidade,
que é um ponto complexo no que se refere às pessoas com deficiências, foi
possível verificar alguns pontos de estranhamento da sociedade que vão além da proteção
e que vira um mecanismo de controle, de infantilização. E quando falamos de
sexualidade, não falamos de ato sexual em si, mas sim da forma como a pessoa
lida com o próprio corpo, como que ela se identifica e como direciona o
interesse ao outro. Como nos autistas existe uma dificuldade bem acentuada na
interação interpessoal, observei alguns especialistas mencionarem uma
impossibilidade da pessoa autista desenvolver um relacionamento amoroso. É
claro que em alguns casos e tipos de autismo, essa relação é imensamente
prejudicada e dificultada, mas daí falarmos em impossibilidade é reduzir o
sujeito a uma condição determinada por terceiros e não reconhecer a
potencialidade de quem se tenta proteger. Em relação a personagem da novela, é
nítido que a obra de ficção não abordou de forma profunda as dificuldades
cotidianas de uma pessoa autista e o desenvolvimento da personagem de forma
acelerada é uma visão muito romântica da realidade. Assim, acredito que devemos
nos pautar em situações reais e verificar as possibilidades e potencialidades de
entes autistas sem impossibilitá-los, sem deixar de acreditar e observar bem
seu desenvolvimento. Podemos discutir mais profundamente essa questão em outra
oportunidade, mas fica a dica. Observar, acreditar, compartilhar as angústias e
responsabilidades.
Anexo:
Desenvolvimento da criança na concepção de Piaget
Estágio Sensório-motor=> Desde o nascimento até os 2 anos de idade, os Esquemas
cognitivos e comportamentais dos bebês tornam-se mais complexos. Eles progridem
das relações circulares primárias para secundárias e terciárias e finalmente
para o desenvolvimento da capacidade representacional, o que torna possível a
imitação diferida, o fazer de conta e a resolução de problemas.
Estágio Pré-operatório=> Entre os 2 e 7 anos. O que marca a passagem do período
sensório-motor para o pré-operatório é o aparecimento da função simbólica ou
semiótica, ou seja, é a emergência da linguagem. Nessa concepção, a inteligência
é anterior à emergência da linguagem e por isso mesmo não se pode atribuir à
linguagem a origem da lógica, que constitui o núcleo do pensamento racional.
Isso implica entender que o desenvolvimento da linguagem depende do desenvolvimento
da inteligência.
Estágio das Operações Concretas => Entre os 7 e aproximadamente 11 e 12 anos, neste período
o egocentrismo intelectual e social (incapacidade de se colocar no ponto de
vista de outros) que caracteriza a fase anterior dá lugar à emergência da
capacidade da criança de estabelecer relações e coordenar pontos de vista diferentes
(próprios e de outrem ) e de integrá-los de modo lógico e coerente. Outro
aspecto importante neste estágio refere-se ao aparecimento da capacidade da criança
de interiorizar as ações, ou seja, ela começa a realizar operações mentalmente
e não mais apenas através de ações físicas típicas da inteligência sensório-motor
(se lhe perguntarem, por exemplo, qual é a vareta maior, entre várias, ela será
capaz de responder acertadamente comparando-as mediante a ação mental, ou seja,
sem precisar medi-las usando a ação física).
Estágio das Operações Formais => A partir dos 12 anos aproximadamente, nesta fase a
criança, ampliando as capacidades conquistadas na fase anterior, já consegue
raciocinar sobre hipóteses na medida em que ela é capaz de formar esquemas
conceituais abstratos e através deles executar operações mentais dentro de
princípios da lógica formal. Com isso, a criança adquire "capacidade de
criticar os sistemas sociais e propor novos códigos de conduta: discute valores
morais de seus pais e constrói os seus próprios (adquirindo, portanto,
autonomia)".
REFERÊNCIAS:
DALGALARRONDO P. Psicopatologia
e Semiologia dos Transtornos
Mentais. 2ª edição, Porto Alegre: Editora Artmed, 2008.
FOUCAULT, M. (1984). Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
PAIVA, Júnior. Revista Autismo.
Ed. Abril/11. São Paulo. 2011. Disponível em:
http://www.revistaautismo.com.br/diamundial2011
PAPALIA, D.E., OLDS, S. W., Desenvolvimento
Humano. ARTMED, 7a. edição, 2000.
Sites importantes: http://www.autismo.org.br/
Interessante esse texto. Não tinha pensado ainda da possibilidade de um autista expressar a sexualidade de alguma forma. Alguns psicólogos já tinham me falado que o que apareceu na novela era impossível e estava certa disso. Essa é uma opinião um pouco diferente, mas ainda tenho muitas dúvidas.
ResponderExcluirSou jornalista e já trabalhei com uma autista que também é jornalista. Ela tem a Síndrome de Asperger. Ela é incrivelmente interessada por Carnaval e sabe tudo das escolas de samba de todos os tempos. Ele escreve mais para a editoria de lazer. Ela também gosta de futebol. É uma pessoa como qualquer outra. Se não me engano, ela estudou no ensino regular. Formou na mesma faculdade que eu anos antes.
ResponderExcluirMultiplicadora Erica, a vida daquele blog depende de você!
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Irivan Rodrigues